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COTIDIANO / NOSSA DOCE CRIATURA

COTIDIANO / NOSSA DOCE CRIATURA



Pela primeira vez vi a Lilian séria, contrariada mesmo, sem sorrir. Foi sincera até na partida, não era ali, daquele jeito, que queria se despedir da vida que tanto amou e curtiu. Era uma cena triste, jamais testemunhada ou imaginada por seus amigos, de quem viveu a sorrir. Se minha amiga se tornasse celebridade, e recebesse traços do Chico Caruso, fosse homenageada pelo Bloco da Barão e caracterizada na camisa pelo Ulysses ou Paulo Valentim, aqueles dentes brancos iriam sobressair perante suas sempre rosadas bochechas. Eram  a sua marca registrada. Mas aí a sociedade, coitada, pobre de espírito, lhe tirou o sorriso na busca incansável de ser magra. Trocar o Milk Shake do Bob´s pelo Way, que se fosse bom não seria vendido na farmácia. Abrir mão de um bife acebolado, com ovo em cima, por uma salada de aipo com pepino. E para beber, uma Coca Cola Ligth, tão sem graça, que você parece beber com camisinha. Somos frutos do meio em que vivemos, dizia há tempos nosso professor de sociologia. E basta liga a televisão para constatar que Viva o Gordo é coisa do passado, só passa no Canal Viva. A era é da magreza, prega a mídia, a qualquer preço ou custo,  e foi em sua busca que minha amiga, dona do abraço mais carinhoso e aconchegante deste mundo, se meteu a fazer regimes. Até que um dia, após Gisele Bündchen abrir as olimpíadas como símbolo maior da liberdade feminina, entrou em uma sala de cirurgias sem saber que reduziria nossa alegria. Nos tornaria órfãos do seu carisma. Era a sociedade que deveria seguir o padrão felicidade da Lilian, não Lilian que tinha que definhar perante valores tão miúdos. Desço de sua despedida, neste domingo igualmente triste e chuvoso, como todos os seus amigos, magros de alegria, gordos de saudade. E, me perdoe, com raiva da tal tapioca. Dos alimentos sem glúten, do leite que perdeu a lactose, da latinha de leite condensado que bebia na boca por um furinho e foi condenada. Anda escondida da polícia nas prateleiras do Bramil. Seu crime? Nos fazer, nem que por alguns segundos, pessoas mais felizes. Mesmo porque de que adianta uma saudade light, uma lembrança diet, se todo este universo obsessivo tirou da vida da gente a mais doce das criaturas? Descanse em paz, minha amiga.

Por José Roberto Lopes Padilha