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GENTE/ CARDIOLOGISTA LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA

GENTE/ CARDIOLOGISTA LUIZ CARLOS DE OLIVEIRA



"SOU A FAVOR DAS COTAS PARA NEGROS E POBRES"

O cardiologista Luiz Carlos de Oliveira tem no bom humor a sua marca registrada. Durante a conversa com a reportagem do TR Revista, contou casos e piadas, e até brincou com alguns temas delicados, como racismo e preconceito. “Se eu sei que em determinado local os negros não são bem tratados, eu não vou lá, o que pode me interessar num lugar onde minha raça não é bem-vinda?” Brincadeiras à parte, Dr. Luiz Carlos revela-se um estudioso do movimento negro, dissertando sobre o destino dos escravos após a abolição da escravatura. “Muitos foram morar em cortiços próximos ao Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, mas, com a abertura da Avenida Central, migraram para os morros. Nessa época, no século XIX, havia cinco milhões de negros e três milhões de brancos no Rio, e houve muita miscigenação, entre portugueses e negros descendentes de africanos.” Sobre o tema miscigenação, outra brincadeira do bem-humorado doutor. “Costumo dizer que sou ‘confuso’. Meu avô paterno era índio aimoré, e minha avó, negra; minha mãe era descendente de espanhóis. Então, não sou ‘cafuzo’; sou ‘confuso’.

E racismo, no Brasil, existe, doutor?

“Existe, sim. Às vezes de forma velada, e o interessante é que em certos casos, os racistas têm negros na família.”

E as cotas para negros nas universidades, o senhor é a favor?

“Sou a favor do sistema de cotas sim, mas não para beneficiar exclusivamente aos negros, mas também aos pobres. Em nosso país, os negros e pobres têm muita dificuldade para conseguir estudar, ter bons empregos, progredir, enfim. Na minha turma na faculdade, havia apenas 2 por cento de alunos negros.”

Filho do alfaiate Napoleão de Oliveira – “que tinha ateliê na Avenida Rio Branco, 245, 2º andar, em plena Cinelândia,” faz questão de dizer – e da costureira Alzira, que mais tarde também foi cozinheira, para ajudar nos estudos do filho, Luiz Carlos não teve a medicina como primeira opção de carreira. Pensava em ser eletricista, fez inclusive cursos de eletrônica e eletrotécnica, no final da adolescência trabalhava na Eletromar, em Del Castilho, e fazia cursinho pré-vestibular à noite. “Ficava tão cansado que às vezes cochilava durante a aula. Uma vez, estava com tanto sono que dormi no ônibus de volta para casa e fui parar na garagem”. A família morou na Ladeira do Livramento, próximo à região portuária do Rio de Janeiro, e no bairro da Saúde. Além do médico, Dona Alzira e Seu Napoleão tiveram mais três filhos: Paulo, Rubens e Roberto, já falecidos.

A opção pela medicina, segundo ele, talvez tenha a ver com uma premonição, feita por uma menina nos tempos em que ele estudava num jardim da infância em frente ao Campo de Santana. “Minha mãe e uma amiga levaram os filhos para conhecer uma garotinha paranormal, que, segundo diziam, podia prever o futuro das pessoas. Sobre o filho da vizinha ela não quis falar muito, mas disse que sentia tristeza ao olhar para ele. Olhando para mim, sorriu e disse à minha mãe: ‘Esse menino vai ser médico.’ Eu tinha quatro anos de idade, e talvez essa frase tenha ficado gravada na minha mente. Um dia desisti da eletrônica e fiz vestibular na Faculdade Nacional de Medicina, que hoje se chama UFRJ. Foram 3 mil e 700 inscritos para 200 vagas. Passei em 233º lugar, fiquei na reserva e fui estudar na Faculdade de Medicina da Santa Casa de Vitória, onde fiquei cinco anos. Voltei ao Rio, onde fiz o 6º e o 7º períodos como interno, na Faculdade de Medicina, e depois mais 2 anos de pós-graduação em cardiologia.”

Na capital do Espírito Santo, além de estudar, Luiz Carlos trabalhou como jornalista. Foi repórter no jornal A Tribuna e redator e editor no Diário, tendo como colega de redação a jornalista Miriam Leitão, hoje na Globonews. Ainda em Vitória, casou-se com Marluce. Do casamento, realizado há 40 anos atrás, nasceram os filhos Alexandre (consultor financeiro, MBA em Finanças e Administração, hoje consultor do Sebrae); a advogada Aline e o médico Augusto, que mora em São Paulo. O casal é ainda avô de Arthur e Luiza, filhos do Alexandre.

Na década de 1980, o médico comandou, durante 3 anos, o Programa Comunidade, na Rádio Três Rios, e presidiu a ATLAS – Academia Trirriense de Letras e Artes. Há alguns anos presidiu o Rotary Club e ocupou o cargo de Venerável da Loja Maçônica Regente Feijó II. Flamenguista, presidiu a Fla Três Rios e curte muito o carnaval. Já desfilou no Salgueiro, em vários blocos cariocas, entre eles o Barbas e este ano integrou o ‘Pirando, Pirado, Pirou’, bloco que reúne médicos, funcionários e pacientes do Instituto Pinel.

Primeiro médico negro de Três Rios, Luiz Carlos foi prefeito do município de 1993 a 1996, e ressalta que teve todas as contas de seu governo aprovadas pelo TCE – Tribunal de Contas do Estado, citando como motivo de orgulho o fato de não ter respondido a nenhum processo. Mas não quer mais saber de política. “Prefiro ser médico”, afirma. Mas não se nega a falar de política.

Qual seria o candidato ideal à presidência da República, no momento?

Eu votaria em alguém que representasse uma verdadeira renovação, para mudar a política que vem sendo praticada por alguns governantes. Nas próximas eleições, precisamos ter cuidado para não eleger um outro aventureiro, alguém que se intitule o ‘salvador da pátria’, como o Collor, em quem aliás não votei.”

Seus ídolos são Nelson Mandela, Zumbi dos Palmares e Martin Luther King. Considera a nova Lei do Trabalho Escravo “um retrocesso” e confessa que já foi discriminado. Falando sobre o caso que envolveu recentemente o jornalista William Waack (que classificou um buzinaço como ‘coisa de preto’), o cardiologista declarou que, na sua opinião, não deixou de ser uma expressão racista, “apesar de ter lido entrevistas de negros que trabalharam com ele e o consideram uma boa pessoa. A questão do racismo está muito enraizada na mente de algumas pessoas, que usam certas expressões que, muitas das vezes não correspondem aos atos que elas praticam” .

Luiz Carlos foi Chefe de Medicina Social do antigo INAMPS em Três Rios, e atualmente é Auditor de Cardiologia da Unimed e Perito da Justiça Federal em Nova Iguaçu, Caxias, Barra Mansa, Volta Redonda e Petrópolis, além de atender em seu consultório na Rua Dr. Valmir Peçanha. Apesar das inúmeras atividades profissionais, o cardiologista ainda encontra tempo para fazer palestras nos grupos do cursilho da igreja católica e também na Unimed, e, amante da música, já gravou dois cds, com repertório da mpb.