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GENTE/EMPRESÁRIO SIVANIL DE SOUZA

GENTE/EMPRESÁRIO SIVANIL DE SOUZA



“A NOVA LEI DO TRABALHO ESCRAVO É UM RETROCESSO”

Sivanil de Souza cumprimenta a repórter do TR Revista com um forte aperto de mão e, depois de receber informações sobre a página, que não conhecia, revela que não tem muita intimidade com as novas tecnologias. Não tem página pessoal no Facebook e, para se comunicar, ainda prefere o e-mail.  Acha que os meios de comunicação modernos facilitam a vida, mas torna os contatos entre as pessoas mais frios, e, referindo-se às  crianças, acha  que muitas podem perder uma parte preciosa da infância, deixando de lado as brincadeiras e preferindo os celulares e computadores. Continuando no assunto, com muito entusiasmo fala sobre o Pedro, seu neto de 2 anos e meio, filho do Rafael e da Renata, que é, segundo ele, “um menino de brincar no quintal, que adora água e futebol e tem pouco contato com o computador. Na hora de dormir ele vê um filminho, mas logo pega no sono”.

Durante a entrevista, as referências à família foram inúmeras. Casados há 39 anos, ele e Rose têm, além do empresário Rafael, mais uma filha, a veterinária Mariane. Nascido e criado na Ponte das Garças, filho da dona Agrimalda e do Sinval “borracheiro” (já falecido), tem um casal de irmãos, Elisa e Cícero. Menino pobre, começou a trabalhar cedo. “Costumo dizer que estou no ramo dos calçados desde os 8 anos, quando fui ser engraxate.”  Antes, teve uma breve experiência vendendo picolés.  No final da década de 1970, foi ser vendedor na Sapataria Brotinho, “onde aprendi muito com o Sr. Hiter, o proprietário, que considero meu segundo pai. Ele me ensinou a gostar, a vender e a conhecer sapatos. Eu tinha 16 ou  17 anos, e em março de 1983, quando saí da sapataria, abri a  primeira loja do Brasil especializada nas sandálias Melissa. A loja, Só Melissa, ficava na Galeria Central. Naquela época, esse tipo de calçado era mais barato, usado geralmente pelas pessoas mais pobres. Hoje virou moda....”- ressalta, com um sorriso.

A  primeira Sapataria Três Rios surgiu em 1989, resultado da sociedade com o João Rezende (João da Biba). A dupla abriu filiais em Paraíba do Sul e Além Paraíba, sempre dando às lojas o nome da cidade. A parceria durou 15 anos, período, segundo Sivanil, de grande aprendizado. Com o fim da sociedade, ele ficou com duas  Sapatarias Três Rios, que deram origem à Rede Mirella. Atualmente possui lojas em várias cidades da região, incluindo, além de Três Rios, Volta Redonda, Vassouras e Valença., resultado, segundo o empresário, “de muito trabalho, muito estudo e, sobretudo, muita fé.” Católico, Sivanil vai à igreja quase todos os dias, e tem como lema aprender sempre. Gosta de dar oportunidade às pessoas, em todos os sentidos. “Meu objetivo  é o bom atendimento ao cliente. Quero que as pessoas possam comprar o que vendo, porque muitas das vezes o sapato é a realização de um desejo, a pessoa quer ter um produto de qualidade, e por isso fui pioneiro,  lançando nas minhas lojas a menor prestação do Brasil. Os clientes faziam prestação de 90 centavos. Gosto também de dar oportunidade de trabalho, de desenvolvimento. Gosto de ajudar.”

Sivanil de Souza faz parte de um  grupo de cidadãos brasileiros de pele negra que se destaca pelo sucesso no mundo dos negócios.  Existe preconceito racial em Três Rios?

“Sim, claro que sim. E esse preconceito se manifesta de várias formas, às vezes velada, outras vezes ostensivamente.”

E você, já se sentiu discriminado alguma vez por ser negro?

“Várias vezes. Principalmente quando eu era criança. Naquele tempo, me senti muito humilhado. Se fosse hoje, talvez eu reagisse. “

E depois de sua ascensão social e econômica, se sentiu vítima de preconceito alguma vez?

“Não. O negro bem-sucedido geralmente sofre menos com esse tipo de preconceito”.

Você é a favor das cotas para negros nas universidades?

“Claro que sou. É a forma dos negros conseguirem acesso a um ensino de qualidade. Através do estudo, minha raça poderá competir em igualdade de condições por bons empregos. As oportunidades têm que ser iguais para todos. O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão e os negros não foram “libertos”, foram, isto sim, “liberados” do trabalho forçado, mas não receberam educação que os capacitasse para administrar a própria vida. Não deram a eles condições de sobreviver dignamente. E o sistema de cotas proporciona isto. Oportunidades iguais para pessoas que têm histórias de vida diferentes.”

Recentemente, o jornalista William Wack foi afastado dos telejornais da Rede Globo por ter feito comentários considerados racistas enquanto se preparava para fazer uma entrada ao vivo durante a festa de posse do Presidente Barack Obama. . Acha que ele foi racista?

“O comportamento do jornalista foi lamentável. Fruto do atavismo,  algumas pessoas  agem de determinada forma quando estão sozinhas e de outra quando estão acompanhadas. Talvez ele não usasse a expressão “coisa de preto” se soubesse que alguém iria ouvir. A atitude da Rede Globo foi correta, tirando-o do ar por algum tempo. “

E sobre o trabalho escravo? O que acha da nova redação dada à lei? Acha justo rotular como trabalho escravo apenas quando o empregado é impedido de deixar o local onde trabalha?

“Um retrocesso. Incrível a nova redação da lei ter sido aprovada por uma bancada formada por pessoas milionárias, será que elas ainda precisam explorar alguém para manter seus negócios funcionando? Tantos anos depois da abolição da escravatura ainda existem pessoas que não respeitam as leis trabalhistas e escravizam seus semelhantes, em pleno século XXI, um absurdo!”

Depois de tanto sucesso na vida pessoal e profissional, ainda tem algum sonho a realizar?

“Sonhos eu tenho sempre. Ou melhor, tenho objetivos: conservar minha saúde sempre, continuar dando emprego às pessoas. Tenho como lema uma frase da música do Raul Seixas, Ouro de Tolo: ‘eu tenho mil coisas prá fazer e não posso ficar aqui parado’. Sonho também em ver o Brasil melhorar. Temos que escolher melhor as pessoas que nos representam. Tenho esperanças de que isto se realize.

O que o motiva?

 “Fé, família, trabalho e estudo”.

Qual a personalidade negra que mais admira?

“Sou apaixonado por Milton Nascimento e admiro muito Barack Obama.”

Se neste momento entrasse na sua sala um menino negro e pobre e lhe pedisse um conselho, o que você diria a ele?

“Você tem que estudar”.